04 janeiro 2014

Outras Estantes: Os Maias Revisitados - Parte 14

João da Ega: Memórias de um Átomo
Seis romancistas 'inventam' um início para o romance que a famosa personagem d'Os Maias desejava escrever e o sétimo imagina a sua estrutura.
4) Fernando Venâncio

Na mão fechada do Eterno, encolhido, cheio de sonhos trepidantes, o Universo dormia. Era uma cavidade macia, tépida, essa que aconchegava os elementos, singelos uns, nobres outros, com que Ele iria construir mundos. No mais escuro e insondável da caverna, jazia eu. Não nos diria impacientes, a mim e meus irmãos, já que uma eternidade produz certa acalmia, e até enfado. Mas estávamos expectantes, e de algum modo curiosos. Foi quando, sem um aviso, sem um prenúncio, lenta mas resoluta, se abriu a mão do Eterno.
Senti-me voando espaço fora. Ia solto e bafejado de promessas. Foi-me tomando aquele entusiasmo que, percebi depois, é o dos pioneiros de qualquer coisa. Digo qualquer coisa, e digo bem. Eu era jovem, menino ainda, podia tornar-me, pensei, o que bem entendesse, na Terra ou no Céu.
Calhou-me a Terra. Assim dispôs o Eterno, com quem nunca privei, é certo, mas de quem, em momentos de langor, recordo o resguardo e a quentura. Andei a tarde desse primeiro dia balouçando entre a onda e a areia, nos confins dum mundo ainda infértil. A minha primeira noite, modo de dizer, pois nem sol nem estrelas havia então, passei-a eu nesse vaivém despreocupado e embalador.
Foi de pouca dura. Cedo senti que me agarravam e conduziam por apertos sombrios e húmidos. Eram as raízes duma plantazinha que, atrevida, robusta, não tardou a subir ao ar livre, onde agora avançava, radiante e animoso, o Sol.

Fonte: JL   


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