05 outubro 2013

Outras Estantes: Os Maias Revisitados - Parte 9

Se assinalam os 125 anos da sua edição(Os Maias) e uma iniciativa Expresso (Eça Agora) veio chamar a atenção para a obra e a efeméride. De facto, o conhecido semanário oferece o romance, em très edições consecutivas, a que se seguirão, em outras três edições, textos de seis escritores atuais que "trazem" Os Maias até 1973- e um sétimo e último volume sairá um estudo, sobre o romance, do reputado especialista queirosiano Carlos Reis. Maria do Rosário Cunha, falará sobre a futura edição crítica de Os Maias. Kyldes Batista Vicente, sobre a minissérie da TV Globo que os teve por base- enquanto se lembram também suas adaptações ao teatro (bem como a falhada tentativa do próprio Eça), com o testemunho da encenadora Filomena Oliveira.  E ainda o que pretende ser uma sua próxima adaptação ao cinema, em entrevista com o realizador João Botelho.


Eça dramaturgo falhado
Carlos Reis 

Numa entrevista concedida em 1945, a propósito da adaptação teatral d'Os Maias, José Bruno Carreiro referiu-se às  dificuldades que teve que superar para levar a cabo a dita adaptação (cf. J. Bruno Carreiro, Os Maias. Adaptação teatral do original de Eça de Queirós, edição de 1984 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda). Por exemplo: a eliminação de "muitas cenas, com grande interesse" e a necessidade de o trabalho dramatúrgico se concentrar no "drama  Carlos-Maria Eduarda" e no "indispensável para criar o ambiente em que se desencadeia esse drama" (pp. 25-27).
Bruno Carreiro certamente ignorava que Eça passara por constrangimentos semelhantes, uma vez que, tendo tentado uma adaptação do seu romance, acabou por desistir da empresa. Sabemo-lo porque no espólio queirosiano que se guarda na Biblioteca Nacional existe um manuscrito (Esp. E1/233) que resultou dessa tentativa abortada. Trata-se da planificação de dois atos, esboçada pelo escritor supostamente antes de avançar para a escrita do texto dramático propriamente dito e não chegando a contemplar eventos e figuras cruciais da ação do romance. Anunciado no elenco de personagens, Afonso da Maia não reaparece no manuscrito; por outro lado, a intriga do incesto encontra-se longe do seu desenlace, quando se atinge o final do segundo dos dois atos planificados.
Parece claro, quando lemos este manuscrito, que Eça se preocupou sobretudo em fixar nele os elementos fundamentais que a escrita dramática deveria trabalhar: o elenco de personagens, a matéria dos atos, os cenários, com pormenores como a iluminação e a música. Tudo isto escrito aparentemente de um jato e já depois de publicados Os Maias: há no manuscrito frequentes remissões para as páginas do romance- sintomaticamente, aquelas em que abunda o diálogo-, o que sugere que a dramatização seguiria de perto o desenvolvimento do relato.
Com exceção de um fragmento de cena já composta e que na arrumação do espólio foi integrada neste manuscrito 233, nada mais se conhece deste impulso queirosiano para a escrita destinada ao teatro, em adaptação do que fora concebido como narrativa. Mas são bem evidentes as potencialidades dramáticas dos relatos queirosianos, com destaque precisamente para Os Maias. Para só dar um exemplo, lembre-se a cena de revelação do incesto, no capítulo XVII, envolvendo Carlos da Maia, João da Ega e Vilaça- que no momento mais tenso do diálogo procura o chapéu que se sumira...
Num outro plano, é conhecida uma carta de Eça a Augusto Fábregas (autor da adaptação teatral d'O Crime do Padre Amaro) em que expressamente é dito: "O único dos meus livros que sempre se me afigurou próprio a dar um drama patético, de fortes caratere, de situações morais altamente comoventes, é o meu romance Os Maias" (carta de 6 de maio de 1890).
Pelo que toca à escrita queirosiana, o romance ficou como era: um grande e admirável romance. Aparentemente, Eça não foi capaz de concentrar, numa ação dramática inevitavelmente redutora, vastíssimos cenários e lapsos temporais alargados, forçando-se a supressões difíceis de aceitar. O nível de exigência artística do grande romancista era, como ele disse em carta de 20 de fevereiro de 1881 a Ramalho Ortigão, o de quem, em modo narrativo e não dramático, originalmente desejara uma obra "em que (...) pusesse tudo o que (tinha ) no saco".

Fonte: JL


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